Casa Da Arquitectura "O Pavilhão" . Matosinhos
Álvaro Siza . Carlos Castanheira . photos: © FG+SG – Fotografia de Arquitectura
Estamos a reestruturar a Casa da Família Siza, recentemente adquirida pela autarquia de Matosinhos. Aí vamos instalar a Associação Casa Da Arquitectura.
A Família Siza, antes de se mudar para a Rua Roberto Ivens nº 582, vivia em Brito Capelo, nas Sete Casas, onde nasceram os cinco filhos. Foi o nascimento da Teresa, a mais nova, que fez com que o pai Júlio comprasse o nº 582 para, com mais espaço, instalar toda a família.
Ali passaram a viver e foi ali que o Álvaro, o Siza, o Siza Vieira, realizou a sua primeira obra, o Pavilhão.
O PAVILHÃO.
O Pavilhão é uma pequena construção onde os irmãos Siza se entretinham e estudavam. No Pavilhão, o irmão António Carlos fazia experiências químicas e, consta, até algumas descobertas que nada vieram a acrescentar ao que já descoberto estava.
Também ali o Álvaro desenhava. De tanta e tão diversa ocupação, hoje o Pavilhão teria a denominação de ‘multiusos’…
O Pavilhão tem algo de Raul Lino, mesmo que este fosse desconhecido para o adolescente Álvaro, que, com catorze anos, riscou o projecto que se tornou obra com a ajuda de algum mestre local e, certamente, a orientação e crítica do pai, o cliente.
Consta também que a necessidade da obra advinha mais da perigosidade das experiências químicas do que dos riscos e aguarelas.
Depois, com provas já dadas, seguiram-se outras obras: o portão do tio, a casa de banho de uma amiga da Família e as quatro casas. Tudo obras sem diploma. E outras se seguiram. Era a fase dos ‘clandestinos’.
Quando Siza, o Álvaro, já estava casadoiro, o pai decidiu fazer uma reforma e melhorar as condições de conforto da casa. Talvez não por verdadeira necessidade mas para mitigar a morte repentina e trágica do irmão mais velho, o António Júlio, ainda muito jovem.
O Álvaro, já arquitecto de papel passado, fez o projecto. Da estrutura original só três paredes, a da frente e as laterais, ficaram de pé. Tudo foi remodelado, renovado, sendo criados quartos para todos os da família, menos para o projectista que, entretanto, se casou e foi viver para o Lima Cinco.
Contou-me que as críticas do pai, cliente, foram muitas. Talvez tivessem a ver com alguns tiques maneiristas, coisas de arquitecto, diriam alguns, coisas a que os arquitectos se agarram para justificar soluções de vontade.
Consta, agora, que até tinha alguma razão. É que o cliente nem sempre a tem. Só às vezes.
Existe um tubo em fibrocimento que, como um alfinete, prega a casa de cima a baixo sem tocar no solo. Solução contestada pelo cliente, defendida pelo projectista, mantida apesar das críticas.
Para o visitante parece um pilar colocado numa posição estratégica, certamente pensada, imprescindível, elemento quase brutalista por falta de acabamento.
A explicação recente do arquitecto desfaz as dúvidas: esse elemento não é estrutural, mas faz a necessária ventilação do pequeno quarto de banho da empregada.
Não admira que o cliente tenha contestado as razões do projectista. É normal.
Não admira que o arquitecto tenha lutado pela ventilação do quarto de banho interior. É normal e necessário.
A obra é quase desconhecida e quase que não vem nos roteiros. Mantiveram-na quase escondida, talvez por privacidade.
As opções de então foram radicais, diríamos agora: foi anulada a marquise a poente, aumentada a sala e a cozinha, criados novos banhos, renovadas as caixilharias, mantida a estrutura. O Pavilhão sobreviveu e foi usado em mais experiências e outras vivências.
Ainda tive o privilégio de almoçar e jantar lá em casa, com a Dª Cacilda a comandar e o Engº Júlio a desfiar a sua ironia singular.
Por vontade dos herdeiros, a Casa foi adquirida pela Câmara para não dar azo a apetites imobiliários.
Estava quase impecável quando lá voltei alguns anos depois. O que se apresentava em pior estado era a caixilharia em marquise do alçado tardoz, a poente, com o mar ali a duas ruas e o sol quase constante. O resto, quase tudo, funcionava. O Pavilhão, mais idoso do que as obras de restauro da casa, acusava a idade, mas, apesar da precariedade de materiais, mantém a sua presença, pronto para novas experiências.
A Casa será sede provisória da Associação Casa da Arquitectura. Futuramente há-de transformar-se em Fundação Casa de Arquitectura e terá Casa ali bem perto, junto ao Porto de Leixões. Para já o estado da Casa Siza obrigou a algumas obras de manutenção e de reestruturação que estão limitadas tão-somente à actualizarão da rede de energia eléctrica e de telecomunicações.
Foi necessário verificar as infra-estruturas de saneamento e electricidade. E, pasme-se, encontrar tubos galvanizados como se ontem tivessem saído do banho de galvanização.
Encontramos também a rede de saneamento. Esta em tubo preto, desse que agora se utiliza nas redes de rega da agricultura. Tubos soldados a quente.
Em tom de brincadeira, e porque há necessidade de renovar a rede de saneamento, perguntei ao arquitecto projectista, agora menos jovem:
- Quem é que tomou a decisão de pôr tubo preto naquela obra?
- Tubo preto? Pois é! Bem me lembro! A rede é em tubo preto, o melhor da época, diziam. Quero ver é se o que agora vão aplicar terá a mesma qualidade e desempenho que este teve nestes quarenta e sete anos.
Pois, em princípio, as novidades são sempre melhores. Mas só o tempo dirá.
A obra faz-se quase sem desenhos. Não são necessários, pois tudo será como antes. Quase. A vivência será outra, pela forma diferente de ocupação, desde logo. Mas, apesar da ausência física da Família, a presença dos Sizas será constante.
O Pavilhão tem sessenta e um anos e está a ser restaurado. O arquitecto, na primeira visita, ainda pensou demoli-lo. Opus-me. A minha pretensão não encontrou uma forte resistência…
- Depois vão dizer que…, estão a ver! estão ver! também foi tradicionalista!
Tal como o tubo preto, a aplicação de novos materiais, de forma consciente e criteriosa, é em geral uma boa solução, mesmo que o desgaste do tempo nos obrigue depois a alguma recuperação.
As experiências darão lugar a documentação, a estudos para que outras experiências sejam pensadas, testadas e executadas na evolução. Sem que o tubo preto tenha o lugar importante que desempenhou na história.
Porto, Londres 24-02.2009
Carlos Castanheira
CASA DA ARQUITECTURA - CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO ÁLVARO SIZA (2007-2009)
(ANTIGA CASA DA FAMÍLIA SIZA)
RUA ROBERTO IVENS Nº582 – MATOSINHOS - PORTUGAL
Projecto Original de Arquitectura: ÁLVARO SIZA (1960-1961)
Reestruturação:
Projecto Arquitectura: ÁLVARO SIZA e Carlos Castanheira
Colaboradores: Luís Reis e Francisco Zamith
Acompanhamento em obra: Carla Barros
Projecto de Instalações Eléctricas: Eng. Alexandre Martins
Empreiteiro Geral: A Ludgero Castro
Álvaro Siza . Carlos Castanheira . photos: © FG+SG – Fotografia de Arquitectura
Estamos a reestruturar a Casa da Família Siza, recentemente adquirida pela autarquia de Matosinhos. Aí vamos instalar a Associação Casa Da Arquitectura.
A Família Siza, antes de se mudar para a Rua Roberto Ivens nº 582, vivia em Brito Capelo, nas Sete Casas, onde nasceram os cinco filhos. Foi o nascimento da Teresa, a mais nova, que fez com que o pai Júlio comprasse o nº 582 para, com mais espaço, instalar toda a família.
Ali passaram a viver e foi ali que o Álvaro, o Siza, o Siza Vieira, realizou a sua primeira obra, o Pavilhão.
O PAVILHÃO.
O Pavilhão é uma pequena construção onde os irmãos Siza se entretinham e estudavam. No Pavilhão, o irmão António Carlos fazia experiências químicas e, consta, até algumas descobertas que nada vieram a acrescentar ao que já descoberto estava.
Também ali o Álvaro desenhava. De tanta e tão diversa ocupação, hoje o Pavilhão teria a denominação de ‘multiusos’…
O Pavilhão tem algo de Raul Lino, mesmo que este fosse desconhecido para o adolescente Álvaro, que, com catorze anos, riscou o projecto que se tornou obra com a ajuda de algum mestre local e, certamente, a orientação e crítica do pai, o cliente.
Consta também que a necessidade da obra advinha mais da perigosidade das experiências químicas do que dos riscos e aguarelas.
Depois, com provas já dadas, seguiram-se outras obras: o portão do tio, a casa de banho de uma amiga da Família e as quatro casas. Tudo obras sem diploma. E outras se seguiram. Era a fase dos ‘clandestinos’.
Quando Siza, o Álvaro, já estava casadoiro, o pai decidiu fazer uma reforma e melhorar as condições de conforto da casa. Talvez não por verdadeira necessidade mas para mitigar a morte repentina e trágica do irmão mais velho, o António Júlio, ainda muito jovem.
O Álvaro, já arquitecto de papel passado, fez o projecto. Da estrutura original só três paredes, a da frente e as laterais, ficaram de pé. Tudo foi remodelado, renovado, sendo criados quartos para todos os da família, menos para o projectista que, entretanto, se casou e foi viver para o Lima Cinco.
Contou-me que as críticas do pai, cliente, foram muitas. Talvez tivessem a ver com alguns tiques maneiristas, coisas de arquitecto, diriam alguns, coisas a que os arquitectos se agarram para justificar soluções de vontade.
Consta, agora, que até tinha alguma razão. É que o cliente nem sempre a tem. Só às vezes.
Existe um tubo em fibrocimento que, como um alfinete, prega a casa de cima a baixo sem tocar no solo. Solução contestada pelo cliente, defendida pelo projectista, mantida apesar das críticas.
Para o visitante parece um pilar colocado numa posição estratégica, certamente pensada, imprescindível, elemento quase brutalista por falta de acabamento.
A explicação recente do arquitecto desfaz as dúvidas: esse elemento não é estrutural, mas faz a necessária ventilação do pequeno quarto de banho da empregada.
Não admira que o cliente tenha contestado as razões do projectista. É normal.
Não admira que o arquitecto tenha lutado pela ventilação do quarto de banho interior. É normal e necessário.
A obra é quase desconhecida e quase que não vem nos roteiros. Mantiveram-na quase escondida, talvez por privacidade.
As opções de então foram radicais, diríamos agora: foi anulada a marquise a poente, aumentada a sala e a cozinha, criados novos banhos, renovadas as caixilharias, mantida a estrutura. O Pavilhão sobreviveu e foi usado em mais experiências e outras vivências.
Ainda tive o privilégio de almoçar e jantar lá em casa, com a Dª Cacilda a comandar e o Engº Júlio a desfiar a sua ironia singular.
Por vontade dos herdeiros, a Casa foi adquirida pela Câmara para não dar azo a apetites imobiliários.
Estava quase impecável quando lá voltei alguns anos depois. O que se apresentava em pior estado era a caixilharia em marquise do alçado tardoz, a poente, com o mar ali a duas ruas e o sol quase constante. O resto, quase tudo, funcionava. O Pavilhão, mais idoso do que as obras de restauro da casa, acusava a idade, mas, apesar da precariedade de materiais, mantém a sua presença, pronto para novas experiências.
A Casa será sede provisória da Associação Casa da Arquitectura. Futuramente há-de transformar-se em Fundação Casa de Arquitectura e terá Casa ali bem perto, junto ao Porto de Leixões. Para já o estado da Casa Siza obrigou a algumas obras de manutenção e de reestruturação que estão limitadas tão-somente à actualizarão da rede de energia eléctrica e de telecomunicações.
Foi necessário verificar as infra-estruturas de saneamento e electricidade. E, pasme-se, encontrar tubos galvanizados como se ontem tivessem saído do banho de galvanização.
Encontramos também a rede de saneamento. Esta em tubo preto, desse que agora se utiliza nas redes de rega da agricultura. Tubos soldados a quente.
Em tom de brincadeira, e porque há necessidade de renovar a rede de saneamento, perguntei ao arquitecto projectista, agora menos jovem:
- Quem é que tomou a decisão de pôr tubo preto naquela obra?
- Tubo preto? Pois é! Bem me lembro! A rede é em tubo preto, o melhor da época, diziam. Quero ver é se o que agora vão aplicar terá a mesma qualidade e desempenho que este teve nestes quarenta e sete anos.
Pois, em princípio, as novidades são sempre melhores. Mas só o tempo dirá.
A obra faz-se quase sem desenhos. Não são necessários, pois tudo será como antes. Quase. A vivência será outra, pela forma diferente de ocupação, desde logo. Mas, apesar da ausência física da Família, a presença dos Sizas será constante.
O Pavilhão tem sessenta e um anos e está a ser restaurado. O arquitecto, na primeira visita, ainda pensou demoli-lo. Opus-me. A minha pretensão não encontrou uma forte resistência…
- Depois vão dizer que…, estão a ver! estão ver! também foi tradicionalista!
Tal como o tubo preto, a aplicação de novos materiais, de forma consciente e criteriosa, é em geral uma boa solução, mesmo que o desgaste do tempo nos obrigue depois a alguma recuperação.
As experiências darão lugar a documentação, a estudos para que outras experiências sejam pensadas, testadas e executadas na evolução. Sem que o tubo preto tenha o lugar importante que desempenhou na história.
Porto, Londres 24-02.2009
Carlos Castanheira
CASA DA ARQUITECTURA - CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO ÁLVARO SIZA (2007-2009)
(ANTIGA CASA DA FAMÍLIA SIZA)
RUA ROBERTO IVENS Nº582 – MATOSINHOS - PORTUGAL
Projecto Original de Arquitectura: ÁLVARO SIZA (1960-1961)
Reestruturação:
Projecto Arquitectura: ÁLVARO SIZA e Carlos Castanheira
Colaboradores: Luís Reis e Francisco Zamith
Acompanhamento em obra: Carla Barros
Projecto de Instalações Eléctricas: Eng. Alexandre Martins
Empreiteiro Geral: A Ludgero Castro

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